sábado, 19 de março de 2011

O Renascimento

Texto básico

Nos séculos XV e XVI a Itália conheceu um extraordinário desenvolvimento cultural que, posteriormente, alcançou outras regiões da Europa Ocidental, e que é conhecido como “Renascimento”. A expressão é ambígua, pois dá a entender que no período anterior (a Idade Média) a vida cultural estivera ausente, o que não corresponde absolutamente à verdade. Sabe-se, hoje, que a produção artística, literária e filosófica medieval foi extraordinária e, portanto, não se pode utilizar a expressão “Renascimento” com o sentido de “nascer de novo”.
As razões para esse desenvolvimento cultural encontram-se fundamentalmente nas novas condições sócio-econômicas da Europa no período de transição do Feudalismo ao Capitalismo. O desenvolvimento urbano, comercial e burguês foi poderoso estímulo para a produção intelectual. O humanismo é outro importante elemento que contribui para o Renascimento, ao lado da proteção dada pelos ricos burgueses aos artistas, fenômeno que se convencionou chamar de Mecenato.
O Humanismo, num primeiro momento, designava os elementos que buscavam reformar os currículos das universidades, até então essencialmente preocupados com as disciplinas teológicas. Procuravam incluir estudos de matemática, história, línguas e filosofia. Posteriormente, o termo Humanismo passou a designar aqueles que procuravam criticamente analisar as condições sociais em que viviam, confrontando-as com as do período feudal, a partir de uma nova visão do homem, individualista, cheio de vontade, impulsionador do progresso.
O traço característico do Renascimento foi a consciência de que se vivia um novo tempo, (daí a idéia de “nascer de novo), bastante distinto do mundo medieval. Assim, opunham o antropocentrismo ao teocentrismo; o individualismo ao coletivismo; o racionalismo à tradição; o hedonismo ao ascetismo e misticismo medievais.
A oposição aos tempos medievais levou à redescoberta da Antiguidade Greco-Romana. Não se pode, no entanto, afirmar que o Renascimento procurou imitar ou copiar os clássicos. Na realidade, pode-se ver claramente a influência que o classicismo desempenhou, mas o Renascimento vai muito mais longe. É um salto para a frente, ainda que aparentemente esteja voltado para o passado.
O Renascimento surgiu na Itália, em virtude das condições extremamente favoráveis que essa região apresentava. Basta lembrar o grande desenvolvimento das repúblicas italianas (Florença, Veneza, Gênova, entre outras) extremamente enriquecidas devido ao monopólio do comércio de especiarias orientais. A tradição clássica era muito mais vigorosa na Itália do que em outras regiões européias, e a atuação dos Mecenas se fez sentir com extraordinário vigor.
No setor artístico, o Renascimento se caracterizou, entre outros aspectos, por uma grande preocupação com a figura humana, valorizando-se o nu; a busca da perfeição no retratar o Homem levou a uma simbiose entre arte e ciência, desenvolvendo-se estudos de Anatomia, técnicas de cores, perspectiva. Utilizaram-se novas técnicas, como a pintura a óleo. O realismo, a harmonia, o senso de equilíbrio e a proporção são outros elementos observáveis.
A Literatura apresenta, de imediato, uma novidade, que é utilização das novas línguas nacionais, derivadas do latim: o espanhol, o português, o italiano, o francês. Tendo como tema central o Homem, os escritores, com profundo senso crítico, buscaram elaborar um novo conceito de vida e de homem. A época medieval foi profundamente satirizada em seus valores essenciais: a cavalaria, a Igreja, a nobreza.
A Ciência procurou explicar o mundo através de novas teorias, fugindo às interpretações religiosas típicas do período histórico anterior. O grande destaque é a utilização do método experimental, base da criação da ciência moderna. O Racionalismo é a característica dominante desse momento, que será o precursor de uma verdadeira “revolução científica” no século XVII.


Texto de Aprofundamento

A crise econômica dos séculos XIV-XV produziu uma profunda inquietação intelectual, que se traduziu, nos campos filosófico, artístico e literário, pela idéia de renovação cultural. Este fenômeno, parte integrante de um processo histórico mais amplo – o início da transição feudalismo/capitalismo – iniciou-se nas Repúblicas Italianas, por volta de 1350, estendendo-se, mais tarde, a outras áreas da Europa Ocidental. A expressão Renascimento é comumente utilizada para designar esta idéia de renovação, profundamente comprometida com a ressurreição das letras e das artes da Antiguidade greco-latina, e que, segundo os humanistas da época renascentista, teria representado uma ruptura com a “ignorância bárbara (gótica)”, que prevalecera durante a Idade Média.
No entanto, levando-se em consideração o atual estágio das investigações históricas acerca do tema, não se pode concordar, integralmente, com as concepções formuladas pelos humanistas dos séculos XV-XVI, como Giorgio Vasari (1511-1574), que por volta de meados do século XVI, utilizou-se do termo Rinascitá pela primeira vez. Vasari pretendia, com essa expressão, designar os sentimentos e a mentalidade d uma nova época que iniciara-se, originalmente na cidade-Estado de Florença, desde os fins do século XIV, e que se caracterizava pelo “renascimento” da Antiguidade clássica, repensada à luz do espírito dos novos tempos. Da mesma forma, pretendia dar a esta nova época uma unidade própria, diferenciada dos séculos precedentes, entendidos conforme assinalou-se acima, como uma autêntica “Idade das Trevas”.
Assim, deve-se deslocar por um momento, a análise para o que representa a Idade Média, segundo a perspectiva da produção intelectual e cultural. Apenas durante o século XIX, quando se verifica a reabilitação deste período pelo romantismo, começam a surgir novas abordagens, que vêem no Renascimento uma continuidade e não uma ruptura com a Idade Média. Tal é o caso do historiador holandês J. Huizinga, que em obra clássica escrita em 1919, entende o Renascimento como um prolongamento, um verdadeiro “outono da Idade Média”. Outros medievalistas, ao repensar o período, afirmam, inclusive, que o Renascimento teria sido tão somente um desdobramento de “renascimentos” que têm suas origens na própria Idade Média, como o “renascimento francês do século XII”.
As reflexões desenvolvidas até agora permitem compreender a complexidade do tema, os limites e a própria imprecisão do termo “Renascimento”. Dessa maneira, seria oportuno repensar a expressão a partir da perspectiva do historiador francês Jean Delumeau.
“Criada pelos humanistas italianos (...), a noção de uma ressurreição das letras e das artes graças ao reencontro com a Antiguidade foi, seguramente, uma renovação. (...)
Essa noção significa juventude, dinamismo, vontade de renovação. (...) Mas, o termo `Renascimento´, de acordo com os humanistas, que o aplicavam, essencialmente, à literatura e às artes plásticas, parece-nos insuficiente. Ele parece rejeitar, como bárbaras, as criações (...) sólidas e misteriosas da arte românica e, também, as criações mais esbeltas e dinâmicas da arte gótica. (...)
(...) Do ponto de vista de uma História total, (o termo Renascimento) significa – e não pode significar outra coisas – a promoção do Ocidente numa época em que a civilização da Europa ultrapassou, de modo decisivo, as civilizações que lhe eram paralelas. (...)
(...) A história do Renascimento é a história desses desafios e dessas respostas (O autor faz referências aos desafios impostos à sociedade européia pela crise econômica dos séculos XIV-XV, suas profundas implicações na consciência dos homens da época, e, ao mesmo tempo, as alternativas encontradas por essa mesma sociedade para fazer face à crise).
A crítica do pensamento clerical da época feudal, a recuperação demográfica, os progressos técnicos, a aventura marítima, um novo conceito de beleza, um cristianismo reelaborado e rejuvenescido: eis os principais elementos da resposta do Ocidente às tão variadas dificuldades que no seu caminho se haviam acumulado. (...)”
DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento. Lisboa, Estampa, 1984, v. 1, pp 19-22)

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